Vera Barbosa

A maioria das coisas importantes que aprendo vêm de dentro, e não de fora de mim.

Textos

Calote global
É, estou mesmo ficando velha! Constantemente me pego dizendo, ou pensando: no meu tempo... E lá vêm torrentes de fatos comprovando como as coisas têm mudado, num ritmo vertiginoso e estonteante. E nem estou falando de modelos de carros e de celulares, net e notebooks, ipods, smartphones e outras bugigangas eletrônicas que levam ao delírio os adeptos inconscientes do consumismo desenfreado. Nem dos apartamentos inteligentes, aqueles em que você passa todo o tempo lá dentro apertando botões, pondo à prova e menosprezando a inteligência humana, cada vez mais substituída pela artificial. Também não me refiro aos relacionamentos, cada vez mais breves e superficiais, pois nessas questões acho que cada um é que sabe de si mesmo.
O que me traz agora ao teclado é a problemática do sistema financeiro americano, prestes a dar um calote em seus inúmeros e seculares credores, quebrando a confiança cega que depositavam nele. Onde já se viu isso, é como o capitão do navio fugindo, deixando-o à deriva , deixando apavorados os tripulantes e passageiros.  
No meu tempo, comprávamos fiado na mercearia os gêneros necessários para o mês todo, e meu pai quitava o débito logo que recebia o ordenado. Se não pagasse, não teria mais crédito, é claro. E não teríamos comida. Eu não podia imaginar que existisse alguém que não pagasse suas dívidas. Mas logo vi que estava errada!
Aos dezoito anos fui trabalhar num Banco particular, subsidiário do The First National City Bank, americano. Era um Banco elitista, com poucas agências, e eu fui designada para  o Caixa. A clientela era selecionada, naquela época não se era obrigado a ter conta em Banco, a maioria dos empregados recebia seu dinheirinho no final do mês dentro de envelopes, era só pagar as despesas do mês anterior, ficar com um troquinho para a condução – não havia ainda o vale-transporte – e uma ou outra comprinha, se sobrasse algum. Simples assim: sem os atuais cartões de crédito, ou mesmo crediário superfacilitado pelas lojas, se tivesse dinheiro comprava, se não tivesse, não comprava. Ah, também ainda não havia sido inventado o cheque pré-datado. Como eu dizia, a clientela era selecionada, gente com dinheiro mas que, não raro, deixava “estourar” a conta.
Lembro-me de um episódio que aconteceu comigo, nova no emprego, ainda não conhecia os “jeitinhos”; esse episódio me fez voltar para casa chorando, pensando se voltaria lá no dia seguinte. Voltei, precisava do emprego. Foi um caso em que a madame me apresentou um cheque para sacar. Eu conferi a assinatura, tudo bem, quando fui verificar o saldo: insuficiente. Voltei ao balcão e perguntei-lhe se era a titular da conta, que estava acontecendo esse problema. A perua só faltou pular o balcão e me esganar: começou a gritar, perguntando se eu sabia quem ela era, que o marido dela era diretor vice-presidente da Anderson Clayton – essa eu conhecia , era a empresa que fazia a margarina que passávamos no pão de manhã – que queria falar com o gerente, etc. Uma das colegas mais antigas, já conhecendo a “respeitável” senhora, encaminhou-a ao gerente da agência, que, ato contínuo, autorizou o pagamento do cheque sem fundos da ricaça. Depois disso, nunca mais nem olhei o saldo, já pagava logo, nem olhava se tinha assinatura. Qualquer coisa, o gerente se responsabilizava. Fui descobrindo que esse negócio de pagar tudo direitinho era coisa de pobre. Os ricos podiam comprar os gerentes de Bancos para darem os seus jeitinhos.
Com o passar do tempo, fui vendo mais e mais caloteiros, falsários, farsantes, piratas de todos os tipos, ladrões de colarinho branco, de todas as cores, só de camiseta, enfim, fui aos poucos sendo apresentada a todos os tipos de golpistas que assolam nossa sociedade. Todos não, pois a inteligência e a criatividade para o mal são infinitas.
Contudo, estes dias vivemos uma situação realmente insólita, nunca vista - e preocupante: a maior economia do planeta, o Estados Unidos da América, a potência megalomaníaca, o império sem imperador, o porto seguro dos países com dificuldades financeiras está, ela própria, com dificuldades financeiras. Como pode? Sem a rainha, o que será da colmeia? Como deixaram chegar a esse ponto? Lá não existem economistas, financistas, técnicos de mercado? Não tem calculadora? É, porque, desde criança eu aprendi que não se deve gastar mais do que se ganha. É uma continha simples, de subtração, mesmo os analfabetos conseguem fazer. Mas parece que o império não conseguiu.
Mas, o que acho mais interessante é que, endividado até a raiz dos cabelos, hoje ouvi a notícia de que estão enviando a Marte uma sonda que custou a bagatela de um bilhão de dólares. É provocação? Só pode! E agora, como caminhará a humanidade sem o baluarte financeiro dos menores?  Com certeza faltarão recursos para obras, para aumento de funcionários públicos, para assistência médica, educação, etc. Mas, e para as guerras? Faltarão recursos para as guerras em que eles se envolvem? O futuro próximo dirá.
Primavera Azul
Enviado por Primavera Azul em 07/08/2011


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